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quinta-feira, 16 de maio de 2013

TRONCON FILHO APONTA FALÁCIAS NA CAMPANHA CONTRA A PEC-37


No debate promovido pela OAB SP, o superintendente da Polícia Federal, Roberto Ciciliati Troncon Filho, fez uma defesa da PEC – 37 alicerçada em 18 anos como delegado da PF. Sustentou que o modelo brasileiro de persecução penal é um dos mais avançados no mundo por ser um modelo bastante garantista . Também apontou falácias na campanha que vem sendo promovida contra a PEC-37. Veja a íntegra do pronunciamento.
TRONCON FILHO APONTA FALÁCIAS NA CAMPANHA CONTRA A PEC-37
Luiz Carlos Magno e Roberto Troncon Filho
"Curiosamente, em países chamados de primeiro mundo, o sistema não é tão garantista quanto o nosso. Talvez por que a Constituição cidadã de 1988 foi produzida logo após um período de interrupção do regime democrático, de supressão de algumas liberdades individuais. Nesse cenário, o legislador constituinte concebeu um modelo absolutamente garantidor dessas liberdades individuais, desses direitos e da democracia plena que o nosso Brasil vive e vivência nessas últimas duas décadas e meia.
Esse modelo é muito bom porque observa os princípios constitucionais, está simetricamente adequado aos princípios do contraditório e da ampla defesa e impõe entre as partes – Estadas, acusação e advocacia, com dever de defender o réu ou investigado – paridade de armas. Esse modelo impõe um duplo controle externo da atividade de investigação criminal feita pelo Estado. Em vários países citados como exemplo, há apenas um controle e aqui nós temos dois: o Ministério Público atuando na fase pré-processual, como fiscal da lei, e o controle jurisdicional, que a toda e qualquer investida mais invasiva na vida do cidadão deverá se manifestar e decidir efetivamente.
Quem executa no Brasil não tem o poder de se autoconferir medidas invasivas; assim  já ocorreu em período anterior em que os próprios delegados de polícia tinham poderes mais amplos. Hoje a polícia judiciária é contra esse período e esse posicionamento: nós entendemos, e a experiência demonstrou ao longo de duas décadas e meia desta Constituição, que o modelo atual é absolutamente adequado, porque a polícia que investiga e executa as medidas cautelares não as autoconcede, elas são representadas para o magistrado – para o Poder Judiciário – o Ministério Público se manifesta, enfim, há um duplo controle antes da concessão das medidas invasivas, seja de afastamento de sigilos (telefônico, fiscal, bancário), invasão legal de domicílios – para busca e apreensão – enfim, o sistema de pesos e contrapesos da atividade de persecução penal, na fase pré-processual de investigação criminal, é muito bem controlado.
Por fim, a investigação criminal no Brasil tem forma, é formalizada em um procedimento chamado inquérito policial, procedimento previsto em lei que tem uma formalidade pra ser seguida: a instauração de uma portaria ou lavratura de auto de flagrante. Esta atividade [investigativa], para o seu início precisa de provocação e uma vez iniciada tem o seu desenvolvimento pró ativo de busca das provas e elementos de prova, para formar o conjunto probatório a ser apresentado ao Judiciário e o Ministério Público. Essa portaria [inquérito policial] tem de delimitar o fato a ser investigado: a polícia investiga fatos e não pessoas. A pessoa pode ter um passado absolutamente reprovável, mas naquele caso específico, naquele fato noticiado como crime, ela pode ser absolutamente inocente.
Assim deve agir a polícia judiciária, com imparcialidade, com o compromisso de responder às duas perguntas primordiais e as que delas decorrem: houve um crime? Quem foi o seu autor?
O ato formal de apontar alguém como autor de um crime, o indiciamento, é um ato privativo da autoridade policial e deve ser fundamentado, a autoridade policial deve dizer porque está apontando, à luz daquelas provas trazidas para o procedimento, aquela pessoa como autora do crime apurado.
Isso é interessante por que a independência que tem a autoridade policial de se convencer pela inocência ou culpa de um investigado, à luz do conjunto probatório, é a mesma e não está vinculada à do promotor, de oferecer a denúncia ou não, de pedir o arquivamento ou mesmo pedir novas diligências para o esclarecimento de pontos que não foram abordados, eventualmente. Da mesma maneira o juiz não está vinculado ao promotor ou ao delegado.
Por fim, a conclusão da investigação deve ser formalizada em relatório elaborado pela autoridade policial, em que todos os elementos de prova devem ser analisados de uma maneira clara e apresentado ao Poder Judiciário.
O que temos de mais interessante neste sistema é a figura do delegado de polícia, com a mesma formação que se exige para o membro do Ministério Publico e para o magistrado, que não existe nos outros modelos. Por quê? Nos modelos em que o Ministério Público investia, como no caso da Colômbia, não é exigida a formação em direito para o coordenador das investigações – que são apenas formados em ciência de investigação. No Brasil, é como se tivéssemos um membro do MP atuando na polícia, só que a grande vantagem, este agente público com formação jurídica não pertence aos quadros do órgão de acusação e nem aos quadros do órgão de julgamento.
O Estado “acusador” está separado do Estado “julgador”, que está separado do Estado “investigador”, modelo muitíssimo avançado, inclusive se comparado com países da Europa ou da América do Norte.
Quero então fazer algumas observações como cidadão e como profissional de Polícia Federal, delegado com 18 anos de cargo. Esta campanha, bem planejada e articulada pelos membros do MP, em prol de um pretexto poder de investigação e contrária à PEC 37, foi muito bem trabalhada midiaticamente e sustento até que deve haver um profissional de mídia contratado – em regra temos visto isto em eleições – para orientar esta argumentação e publicidade sobre este tema, para o grande público.
O que ficou exposto foi uma absoluta dissociação da campanha midiática com a melhor técnica jurídica que o MP e todos os seus membros, evidentemente, dominam. Não se trata de uma discussão técnica-jurídica, no entanto, para o grande público, inclusive pessoas que leem jornais e revistas semanais, mas que não são do meio jurídico, a argumentação é palatável, mas leva a conclusões perigosíssimas.
A primeira crítica que eu tenho a esta campanha é a forma maniqueísta como ela foi apresentada para a população: o MP representa o bem como único capaz de combater o mal da corrupção que assola o país. Ora senhores, isto é uma tremenda falácia. Em todas as organizações temos homens e mulheres excelentes e hoje o Brasil vive uma era em que os agentes públicos se profissionalizaram bastante, há muitas pessoas comprometidas com a causa pública e a moralidade, mediante a percepção de um salário condigno. Mas há também, em todas as instituições, por que elas nada mais são que um espelho do extrato cultural da sociedade, há também más pessoas. O que pode diferenciar uma instituição da outra – num recorte histórico – é que algumas podem ter feito um esforço maior para prevenir ou reprimir desvios internos. A matéria prima que compõe seus quadros é a mesma: é falácia dizer que determinado servidor ou pessoa ingressa pela porta de um determinado concurso ela vai se tornar uma pessoa de uma reputação e moral inatacável e a que entra pela outra [porta] está fadada a ser um bandido.
Outra questão que eu gostaria de abordar é a de “sem o MP o efetivo combate à corrupção estaria prejudicado no Brasil”. Eu acessei o site da Controladoria Geral da União, órgão criado na década passada e que tem prestado relevantes serviços no controle de desvios de recursos públicos federais, e se os senhores puderem acessar este portal, lá poderão identificar 111 casos especiais da CGU, que nada mais são que investigações criminais procedidas pela Polícia Federal, com a colaboração da CGU e atuação do MP como fiscal da lei: não há cooperação entre MP e polícia e nem deve haver. Neste hall de 111 investigações não há nenhuma conduzida exclusivamente pelo MP. Então a afirmação de prejuízo no combate à corrupção é falsa.
Outra questão posta e que a imprensa acaba reproduzindo é que a PEC 37 vai impedir uma série de outras investigações e inclusive o exercício do jornalismo investigativo. A PEC não impedirá investigação privada, jornalística ou decorrente de poder de polícia de outros órgãos, porque ela somente trata de uma espécie de investigação que é a investigação criminal. A investigação privada, desde que não atente com nenhum ato normativo, não está impedida: buscar informação, obter informação, ser informado é direito constitucional do cidadão.
Para a imprensa, a liberdade de investigar terá mantido algo a mais que para o cidadão comum: o jornalista tem garantido o sigilo da fonte e não necessita dizer de onde vem informação, o que em nada mudará.
A investigação – de outras espécies estabelecidas por lei – da Receita Federal, do INSS, do COAF, da Secretaria da Fazenda; todos estes órgãos têm um poder de investigação, mas não é qualquer investigação ou informação que pode buscar, apenas aquelas relacionadas com sua atividade fiscalizadora. A Receita Federal pode acessar dados da declaração do Imposto de Renda de qualquer cidadão, por que decorre de sua atividade fiscalizadora, ao passo que mais ninguém pode fazê-lo sem a autorização do Poder Judiciário, com a devida fundamentação. Esta atividade e correlatas, decorrentes do poder de polícia, em nada mudarão com a aprovação da PEC 37.
Por fim, temos de analisar a investigação criminal em si. Trata-se de um conjunto de métodos e técnicas científicas, que requer recursos humanos capacitados e recursos materiais e tecnológicos adequados, sob pena não produzir o resultado esperado: não á uma atividade que pode ser realizada de forma amadora. A investigação criminal é a atividade estatal mais invasiva na vida do cidadão; por meio dela o órgão policial que a executa pode prender pessoas – em flagrante delito, por ordem judicial, provisoriamente – violar domicílios (mediante ordem judicial), pode violar sigilos (de comunicação e financeiros), sempre com autorização judicial. Por ser uma atividade tão invasiva, ela deve ser muito mais controlada que outras formas de investigação. Por isso que o sistema brasileiro é um dos mais avançados do mundo: temos um duplo controle – exercido por órgão independentes e distintos – sobre quem conduz a investigação criminal.
Outra falácia é que o MP vai perder a capacidade persecutória, o que não é verdade. A lei reserva ao MP, e a Constituição também, o direito de requisitar o início de qualquer investigação criminal e lembro que não cabe à autoridade policial juízo de valor: só caberá não cumprir a requisição se a ordem for manifestamente ilegal. O MP pode, no curso da investigação e até depois de concluída, requisitar e acompanhar diligências investigativas que julgue relevantes. Efetivamente, o MP pode e deve exercer essa atividade de controle nessa fase pré-processual.
Outra afirmação é a de que por fazer parte do Poder Executivo, a polícia não teria independência para investigar casos que contrariem os interesses do governante, o que não é verdade. O país e a sociedade têm acompanhado na última década as múltiplas ações desenvolvidas pela Polícia Federal, ora em inquéritos policiais e ora instruindo inquéritos judiciais em tribunais superiores, e que têm atingido governadores de estados, presidentes e sócios diretores de grandes instituições bancárias, parlamentares e até mesmo nesses casos mais rumorosos que tiveram decisão recente no Brasil. Isso se tornou um dogma na Polícia Federal: a atuação da autoridade policial sempre se pauta pela imparcialidade, com plena liberdade para assim agir em busca da verdade. A investigação feita pelo MP, por não ser regulamentada no Brasil, não se submete a normas de prazo e justa causa, é pouco transparente.
Agora que rebater uma falácia propagada nesta campanha midiática que é a de que “quanto mais órgãos investigarem, melhor será o combate da corrupção”. Esse raciocínio poderia nos levar a outros como “quanto mais órgãos acusarem, melhor para a acusação”, “quanto mais órgãos julgarem melhor”. Ora, se o Ministério da Educação não está cumprindo bem a sua função, por que não atribuir parte da tarefa de educar para o Ministério da Ciência e Tecnologia? Veja bem, o Estado moderno e contemporâneo é baseado na distribuição de poderes e atribuições sobre os diversos órgãos que o compõem e isso visa, sobretudo, à especialização, atender a princípios da economicidade: evita-se o generalismo, o retrabalho o desperdício de recursos escassos. Curiosamente, o MP que defende também investigar em paralelo e seletivamente com a atuação da polícia judiciária, se opôs de forma contundente à concussão do inquérito civil e da ação civil pública pelas Defensorias Públicas, o que revela incoerência: você argumenta de um lado pela multiplicidade de órgão [em mesma atividade] e de outro – quando entra na sua seara de atribuição – diz-se não.
Outro argumento da campanha de mídia em torno da PEC 37 é “quem pode o mais pode o menos, então que acusa também pode investigar”. Decorrente disto pergunto: onde está escrito na Constituição ou na lei que a função de acusar do Estado é mais importante ou continente da função de investigar? Não há esta valoração e esta linha de raciocínio pode levar conclusões perigosíssimas; se o Estado voltar à concentração de poderes de um modo interminável, podemos voltar ao período medieval com um absolutismo monárquico, em que a figura do rei podia tudo.
É dito [pelos contrários à PEC 37] que a Polícia Federal e as polícias civis não têm capacidade operacional. Veja como é curioso o raciocínio: já que esse determinado órgão não tem capacidade operacional e precisa de mais recursos para fazer frente à demanda recente de crimes a apurar, a solução que parece óbvia é de maior investimento neste órgão, mas o que se diz aqui é que devemos deixar a tarefa para outro órgão fazê-la, argumento que não faz sentido.
Quanto à investigação seletiva, eu tenho uma grande preocupação como cidadão. Atribuir esse critério seletivo pode levar a situações perigosas como a perseguição de inimigos e proteção de aliados, o que não é bom para a democracia.".
Veja aqui a intégra da matéria
Fonte:http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/05/10/8724/

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